PARA CONSTRUIR IMAGENS-SONORIDADES NA LEITURA

Grande Sertão: Veredas
João Guimarães Rosa

João Guimarães Rosa foi, sem dúvida, um mágico-mago do artesanato das palavras. Ler Guimarães é como acompanhar e recriar o processo de lapidação pelas imagens e sonoridades que, na posição de leitores-recriadores, conseguimos produzir. Abaixo um trecho no qual a personagem vê pela primeira um grupo de cavaleiros em movimento: e todas as nossas sensações são chamadas a trabalhar  sensivelmente, prazerosamente!


"Aí mês de maio, falei, com a estrela-d'alva. O orvalho pripingando, baciadas . E os grilos no chirilim. De repente, de certa distância, enchia espaço aquela massa forte, antes de poder ver eu já pressentia. Um estado de cavalos. Os cavaleiros. Nenhum não tinha desapeado. E deviam de ser perto duns cem. Respirei: a gente sorvia o bafejo - o cheiro de crinas e rabos sacudidos, o pelo deles, de suor velho, semeado das poeiras do sertão. Adonde o movimento esbarrado que se sussurra duma tropa assim - feito de uma porção de barulhinhos pequenos, que nem o dum grande rio, do a-flor. A bem dizer, aquela gente estava toda calada. Mas uma sela range de seu, tine um arreaz, estribo, e estribeira, ou o cóscós, quando o animal lambe o freio e mastiga. Couro raspa em couro, os cavalos dão de orelha ou batem com o pé. Daqui, dali, um sopro, um meio-arquejo. E um cavaleiro ou outro tocava manso sua montada, avançando naquele bolo, mudando de lugar, bridava. Eu não sentia os homens, sabia só dos cavalos. Mas o cavalos mantidos, montados. É diferente. Grandeúdo. E, aos poucos, divulgava os vultos muitos, feito árvores crescidas lado a lado. E os chapéus rebuçados, as pontas dos rifles subindo das costas. Porque eles não falavam - e restavam esperando assim - a gente tinha medo. Ali deviam de estar alguns dos homens mais terríveis sertanejos, em cima dos cavalos teúdos, parados contrapassantes. Soubesse sonhasse eu?" 


Fonte: João Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas. (4ª ed.) Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1965, p. 92.


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