NÃO

                       

Os nossos tempos são outros - tempos de respeito à Natureza, à flora e fauna. A caça se torna uma ação execrável, a ser combatida a todo o custo. A favor da preservação e da convivência pacífica com todos os animais! A favor da vida, da continuidade da vida!

O caçador faz pontaria, dispara, o animal cai. Esta é a culminância de uma longa e meticulosa preparação - a palavra certa seria premeditação. Um ritual justificado e racionalizado incansavelmente, desde que a aquisição do 'status' de civilizado obrigou o homem a justificar-se e a racionalizar seus impulsos mais primitivos. O caçador obstinado apresenta, em defesa de sua ação, alguns argumentos: caçar é um esporte, caçar é uma ciência, o caçador ama os animais, a caça é um hábito milenar, o desequilíbrio ecológico é provocado pelo desmatamento e pelos pesticidas, o caçador nobre não visa ao lucro, respeita o animal caçado e só abate a caça em voo ou na corrida. Acrescenta ainda que caçar é um modo de contribuir para o equilíbrio ecológico, combatendo o 'excesso de espécies'. Até que ponto isso contém, digamos, um grão de verdade?

A caça não é esporte, porque nela não há competição. Será, no máximo, um jogo de cartas marcadas, com um vencedor certo, previamente preparado, contra um adversário inferiorizado e frequentemente desprevenido. A arma de fogo e a armadilha se equiparam, no horror de ferir mortalmente um animal em seu próprio 'habitat'. A alegação de que o caçador ama os animais é humorística, a menos que seja possível aceitar literalmente a frase pessimista de Oscar Wilde: 'Nós destruímos aquilo que mais amamos'.

A caça é, de fato, um hábito milenar, e até multimilenar. Onde a única alternativa para a sobrevivência foi a caça - e isso aconteceu em tempos remotos - ela foi justificável. Quanto à sua antiguidade, o argumento é frágil. Também a guerra e o homicídio são milenares, mas nem por isso aceitáveis. O tempo confere respeitabilidade a algumas coisas, incluídos nelas os seres humanos e os vinhos, nunca impulsos violentos e predatórios. Estes são sempre sinais de volta à irracionalidade. 

Os pesticidas e o desmatamento 'também' têm contribuído para dizimar espécies, mas a caça descontrolada - e ela é sempre descontrolada, quer queiram, quer não - é uma das principais culpadas pela extinção da vida animal na terra. Quanto a falar em 'caçador nobre', em oposição a 'caçador plebeu', certamente há muito que duvidar dessa pretensa sofisticação. Afinal, Raffles não era menos ladrão porque usava casaca. No final, todos, nobres e plebeus, matam por prazer e por vaidade, desequilibram os ecossistemas, roubam a tranquilidade e a beleza dos bosques e dos cerrados. O wishful thinking - o acreditar em alguma tolice para ver se ela se transforma em verdade respeitável - é a arma predileta do caçador que teima em usar esses argumentos. E sua última alegação é a de que caçar é um modo de manter o equilíbrio ecológico, pela redução do número de indivíduos de determinada espécie animal. Como se a natureza não fizesse esse trabalho há milhões de anos e estivesse à espera da invenção da espingarda para resolver seus problemas.

                      Luís Carlos Lisboa, publicado no Jornal da Tarde, 22/6/1976


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